De várias cores e tamanhos, as roupas também têm uma variedade de matérias-primas. Segundo pesquisa da Textile Exchange, cerca de 22% da produção têxtil no mundo é feita a partir do algodão. Boa parte dessa pluma usada nas roupas vem do Brasil, que recentemente alcançou o posto de maior exportador de algodão do mundo, com 2,67 milhões de toneladas comercializadas para os mercados internacionais – de acordo com dados da safra 2023/2024.
Mas afinal, de onde vem esse algodão? Como ele é feito e produzido? Há formas de rastrear com segurança o produto? O Agro Estadão ouviu especialistas para responder esses e outros questionamentos e entender a origem das roupas usadas no dia a dia.
Como saber se a roupa que comprei é de um algodão de qualidade?
A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) é a entidade que abarca 99% da produção nacional da pluma no Brasil. Para atestar a qualidade do produto, ela realiza testes em todos os fardos vendidos para a indústria têxtil. Essas análises laboratoriais levam em consideração ao menos sete parâmetros e os resultados são acrescentados ao Certificado Oficial de Classificação do Algodão Brasileiro, que é emitido para cada fardo analisado – ao sair da unidade de beneficiamento cada lote tem, em média, 230 kg.
O algodão brasileiro é sustentável?
Além do aspecto da qualidade, observado principalmente pela indústria têxtil, o consumidor final também tem se preocupado com a forma como os produtos são produzidos. No Brasil, há pelo menos dois certificados que garantem um padrão de sustentabilidade socioambiental.
ABR
O protocolo Algodão Brasileiro Responsável (ABR) verifica se a pluma está seguindo determinados critérios que abrangem tanto a situação ambiental (como uso de práticas agrícolas sustentáveis) como social (se as regras trabalhistas estão sendo seguidas, por exemplo).
O processo para obter a certificação começa com um convite feito pela Abrapa para que o produtor seja certificado. A etapa seguinte é a preparação com treinamento e orientações para que o produtor possa adequar a sua produção. A fase seguinte é uma auditoria por empresas terceiras que vão visitar a fazenda analisando os critérios do protocolo. Depois, é a hora de saber se o produtor passou e a seguinte etapa trata da licença Better Cotton (veja abaixo), mas não é obrigatória. Além disso, esse processo é feito anualmente e é de adesão voluntária do produtor.
São 183 itens avaliados durante o processo e que são divididos em oito critérios:
Contrato de trabalho
Proibição de trabalho infantil
Proibição de trabalho análogo a escravidão, indigno ou degradante
Liberdade de associação sindical
Proibição de discriminação de pessoas
Segurança, saúde e meio ambiente do trabalho rural
Desempenho ambiental
Boas práticas agrícolas e ambientais
Os critérios de dois a cinco são obrigatórios e excludentes, ou seja, caso o produtor falhe em um desses, ele estará fora da certificação e não conseguirá mais fazer o processo para obter o ABR.
Better Cotton
A Better Cotton é uma organização internacional que promove um programa de sustentabilidade do algodão. Para atestar isso, a organização desenvolveu uma certificação que garante que essas práticas estão sendo seguidas.
Com menos critérios do que o protocolo ABR, os produtores que estão aptos na certificação ABR automaticamente se tornam elegíveis para receber a certificação Better Cotton. Ela é importante principalmente para o mercado internacional, já que alguns países a exigem.
Rastreabilidade na cadeia do algodão
Um dos pontos-chave desse consumo consciente é ter formas para que o consumidor consiga checar a origem desse produto. Por isso, o movimento Sou de Algodão, da Abrapa, vem buscando parcerias com grandes varejistas e empresas têxteis para tornar isso possível através da rastreabilidade por QR Code nas etiquetas de roupas.
Essa etiqueta reúne uma série de informações e qualificações que demonstram a qualidade e o processo de produção pelo qual o algodão foi obtido. “Para você participar dessa rastreabilidade, você tem que ser certificado. Essa certificação é tanto ABR quanto Better Cotton, que envolve cerca de 82% do algodão brasileiro que trazem as melhores práticas de responsabilidade ambiental e social para o produtor”, afirma ao Agro Estadão o presidente da Abrapa, Alexandre Schenkel.
Há pelo menos duas formas de rastreabilidade do algodão brasileiro:
SAI – É o Sistema Abrapa de Identificação (SAI). Ele é usado principalmente na entrega do algodão para as indústrias têxteis. Basicamente, é uma etiqueta colocada em cada um dos fardos que sai da unidade de beneficiamento. Pode ser verificado tanto por QR Code como por código de barras. A consulta pode ser feita pelo site da Abrapa ou pelo aplicativo com o mesmo nome.
Sou ABR – Este é o sistema de rastreamento que vai além do SAI em que é possível ver as etapas na indústria têxtil. A leitura é feita pelo QR Code que é colocado nas etiquetas das roupas. Essa também é a forma que o consumidor final consegue ver os caminhos que o algodão percorreu.
Como é feita essa rastreabilidade?
Uma das características do Sou ABR é que ele também engloba o SAI, ou seja, as informações contidas no SAI também estão dentro desse QR Code das etiquetas. Outra curiosidade é que essas informações são encadeadas através de blockchain, a mesma tecnologia utilizada no Bitcoin, por exemplo. Isso confere mais segurança, já que as informações são armazenadas em blocos e cada bloco depende do anterior, o que torna ele mais difícil de ser modificado, já que uma mudança necessariamente implicaria mudar bloco a bloco da cadeia.
Assim como em um sistema de produção, cada etapa acrescenta suas próprias informações. Confira como é o sequenciamento:
Lavoura
Como explica o coordenador de lavoura da Fazenda Pamplona, da SLC Agrícola, Fernando Ottobeli, o processo de identificação começa na colheita e formação dos fardos maiores. Cada fardo ou módulo pesa em média 2.200 kg. A lona que envolve o algodão possui quatro etiquetas ao longo dela e cada etiqueta possui um chip. Depois de formada, funcionários passam, ainda no campo, de módulo a módulo, “bipando” ao menos uma dessas etiquetas.
Uma vez feito isso, são acrescentadas informações como: lavoura, cultivar plantada, data da colheita e se há ou não presença de contaminantes – termo usado para dizer se há poeira ou capim no algodão.
Unidade de beneficiamento
Uma vez no pátio da algodoeira, onde é feito o beneficiamento do algodão, os módulos que não apresentam contaminantes são beneficiados primeiro, como esclarece a coordenadora agroindustrial da Fazenda Pamplona, Maria dos Santos. Nessa etapa, a pluma é separada da semente e dividida em fardos menores, que serão vendidos às indústrias têxteis. Cada módulo gera cerca de quatro fardos de 230 quilos em média.
Nesse ciclo também é feito o recolhimento das amostras para os testes de qualidade. Além disso, cada fardo recebe uma etiqueta SAI, na qual contém as informações obtidas na lavoura, além de outros dados acrescentados, como peso, laboratório que analisou a qualidade e a certificação socioambiental (ABR ou Better Cotton).
Fiação
Essa é a primeira etapa dentro da indústria têxtil. Aqui acontece a transformação do algodão em fios. São acrescentadas informações como data de produção, lote e nota fiscal de venda.
Tecelagem ou malharia
Os fios de algodão ganham contorno, cores e texturas nessa fase da cadeia. Os rolos de tecidos e estampados são feitos nesse estágio. Também são incluídos dados como nota fiscal de venda e o GLN (Número Global de Localização) do fabricante.
Confecção
Os fios e tecidos se transformam em camisas, camisetas, shorts, calças, saias, calçados e chapéus. Essa é praticamente a etapa final da indústria têxtil. Além das informações como lote e data de produção, são adicionados o GTIN-14 (um código de identificação) e a quantidade produzida.
Lojas
A entrega final é feita nas lojas de varejo onde é possível comprar as blusas e calças já com a etiqueta e QR Code que mostram toda a cadeia de produção. As varejistas também inserem nesse sequenciamento de dados suas próprias informações como GLN e o lote da venda.
Como é o mercado para o algodão rastreável?
O presidente da Abrapa ressalta que esse algodão não necessariamente vai atrair um valor maior na comercialização. Porém, esse tipo de pluma atrai mais compradores internacionais, o que o torna mais disputado e preferido pela indústria.
“Esse algodão é o mais procurado hoje pelas tradings, pelos grandes comerciantes. Essas certificações contribuem principalmente com o interesse de compra do algodão brasileiro”, afirma Alexandre Schenkel.
A expectativa para a safra 2024/2025 é de que o Brasil continue sendo o primeiro ou o segundo maior exportador da pluma, revezando essa posição com os Estados Unidos.
Fonte: https://agro.estadao.com.br/sustentabilidade/algodao-de-onde-vem-a-sua-roupa