Baixo índice de autuações e adesões crescentes aos programas ABR e BCI evidenciam cuidado do setor algodoeiro com as relações de trabalho.
Na semana em que o mundo reflete sobre as relações entre capital e trabalho, em função do 1º de maio, a cotonicultura brasileira contabiliza avanços no setor. De acordo com dados de fiscalização fornecidos pelo Ministério do Trabalho, relativos ao ano de 2017, do total de 9.328 autuações registradas pelo órgão em todas as culturas do agronegócio brasileiro, apenas 46 se deram na produção de algodão, o que equivale a 0,5% dos autos de infração impetrados. Na safra 2016/2017, a cotonicultura gerou, aproximadamente, 1,22 milhão de empregos, que representaram uma massa salarial anual de US$ 11,81 bilhões, segundo dados do estudo elaborado pela Markestrat, coordenado pelo professor da FEA/USP, Marcos Fava Neves, e publicado pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), no livro A cadeia do Algodão Brasileiro: Safra 2016/2017 – desafios e estratégias.
Além das exigências naturais de mercado, em um setor que exporta cerca de 70% da produção e que hoje ocupa o posto de quarto maior exportador mundial – o que por si só já obriga produtores a atentar para o cumprimento da legislação trabalhista e ambiental – o cuidado com o pilar social da sustentabilidade vem sendo reforçado desde a implantação do Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), iniciativa da Abrapa que, desde 2013, opera em benchmarking com a entidade suíça Better Cotton Initiative (BCI).
Na safra 2016/2017, do total de 1,5 milhão de toneladas de pluma produzidas no Brasil, 78% receberam a certificação ABR e 69%, a BCI, o que colocou o algodão brasileiro como o de maior volume (30%) no montante global licenciado pela BCI. A adesão aos programas é voluntária e ao fazê-la, o produtor se submete ao cumprimento de um protocolo de 225 itens só na fase de diagnóstico, que antecede a certificação, e outros 179 para a finalização do processo, que culmina com a expedição do certificado e a consequente emissão dos selos, que são fixados nos fardos. Grande parte desses requisitos diz respeito ao cumprimento da legislação trabalhista brasileira, considerada uma das mais avançadas do mundo. A observância das normas de segurança do trabalho, a proibição de utilização de mão de obra infantil e de trabalho forçado ou análogo a escravo são cruciais para quem deseja receber as chancelas.
“O ABR, em benchmarking com a BCI, representou um grande avanço nas relações trabalhistas na cotonicultura, que, pela própria natureza do negócio, já eram uma prioridade nas fazendas. Além do investimento em boas práticas sociais, o setor promove a capacitação e o aprimoramento da sua mão de obra, que lida com tecnologias de ponta em todas as fases da produção. As atualizações representam um ganho cultural para o empregado, que reflete positivamente na economia regional”, lembra o presidente da Abrapa, Arlindo de Azevedo Moura.
Segundo Moura, ABR/BCI são fundamentados nos três pilares da sustentabilidade: social, ambiental e econômico. Através das associações estaduais de produtores de algodão, o processo é operacionalizado nas fazendas, e envolve visitas de diagnóstico e verificação. A certificação é feita através de auditorias externas de credibilidade internacional, Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), GenesisGroup e SGS.
Investimento que compensa
Ainda que implique ajustes de procedimentos e aportes financeiros para implantação, aderir às certificações ABR e BCI tem se revertido em melhor remuneração para o produtor, assim como em diminuição de passivos trabalhistas e ambientais, o que representa economia. Em última instância, favorece também a construção e o fortalecimento da imagem da fazenda ante o mercado e a sociedade em geral.
Alessandra Zanotto Costa produz algodão na microrregião de Alto Horizonte, na área de influência do município de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia. Sua propriedade é 100% certificada pelo Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR) e totalmente licenciada pela Better Cotton Initiative (BCI). De acordo com a cotonicultora, os requisitos do benchmarking ABR/BCI para o pilar social da sustentabilidade, permitiram uma melhoria geral nos procedimentos relativos à legislação trabalhista, racionalizando os processos na fazenda, seja na gestão ou nas operações em campo.
“A gente sabe o quanto as leis podem ser complexas, e não é fácil cumpri-las ponto a ponto sem um grande checklist e verificações constantes. Os programas nos fizeram ajustar os procedimentos de maneira mais racional. Hoje, as fiscalizações são muito menos temidas, porque estamos sempre em dia com as exigências, desde o momento em que o funcionário é contratado”, explica. Para a produtora, a melhoria geral, através da adoção consistente de boas práticas nos processos administrativos e operacionais, não se restringe à cultura do algodão, estendendo-se a todas as outras culturas.
“Boas práticas representam uso racional dos recursos humanos, naturais e financeiros e isso quer dizer economia e mais produtividade. Toda a fazenda passa trabalhar segundo esses critérios, o que beneficia as demais culturas que ela produz. Dentre o quadro de funcionários, se percebe um clima melhor e uma maior valorização da empresa”, elenca Alessandra.
Valor e acesso
O advogado trabalhista Cristiano Zaranza, que acompanha de perto o programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), atuando pontualmente como consultor da Abrapa, afirma que o investimento na certificação é um fator de ganho de competitividade para o produtor e para a cotonicultura brasileira. “Entrar em alguns mercados é muito difícil, mas, quando você tem um produto que agrega um valor a mais, como certificações de sustentabilidade, isso se torna mais fácil. O investimento se converte em valorização do preço do produto e em acesso a mercados”, justifica.
Segundo Zaranza, o Brasil tem aprendido o valor da sustentabilidade com algumas commodities, como o algodão, e a tendência é de crescimento dessa percepção no mercado mundial. “O que a Abrapa faz em certificação é muito positivo. É uma promoção de um trabalho preventivo, feita pelas organizações de liderança associativa”, considera.
Terceirização
Na opinião do advogado trabalhista, muitos movimentos aconteceram nos dois últimos anos, que apontam para a evolução nas relações entre capital e trabalho. Ele cita a promulgação, em 31 de março de 2017, da lei 13.429 que altera o regime de contratação temporária disciplinado pela lei 6.019/74. “Foi um avanço legislativo muito positivo, porque as relações de trabalho não podem ser estanques, principalmente, na atividade rural, baseada em safras, e que traz outras especificidades”, diz. Segundo Zaranza, a terceirização é benéfica ao país.
“Num cenário em que você contraria um safrista e, no final do ciclo, o demitiria, se há a possibilidade de terceirização, essa pessoa ou esse serviço, poderá circular no país inteiro. Existem máquinas que são safristas e empresas de locação desses equipamentos. Se acabou a colheita no Rio Grande do Sul, a máquina não precisa ficar parada, ela pode ser deslocada para outros estados, de acordo com o calendário agrícola. Por que não fazer o mesmo com a mão-de-obra, através do regime de prestação de serviço?”, questiona.
Com a terceirização, diz o advogado, pode-se ter uma empresa especializada em colheita do algodão, que terá tanto o maquinário quanto os profissionais especialistas em operar esse tipo de máquina, à disposição do produtor rural, segundo sua demanda. “O trabalhador não irá se ocupar apenas na época da safra. E não existe precarização das relações de trabalho, porque não se alteraram os direitos do trabalhador. O que se permitiu foi uma mobilidade na contratação. Imagine, por exemplo, culturas que precisam de pulverização aérea. Você pode ter o piloto e o avião, se tiver necessidade intensiva disso, mas pode também contratar esse serviço e aeronave quando precisar. É muito mais racional”, exemplifica.
Responsabilidade
No âmbito do protocolo ABR/BCI, a terceirização exigirá, segundo Zaranza, alguns ajustes factíveis de procedimentos, além de reforço na vigilância do cumprimento das leis por parte das empresas prestadoras de serviço, exteriores às propriedades. “A certificação ABR e o licenciamento BCI compreendem toda a fazenda. Se entram terceiros administrando processos que antes cabiam à gestão da propriedade, não muda a responsabilidade da fazenda, porque ela responde pela sua produção, independentemente de que seja feita por empregados próprios ou terceirizados. Se houver uma irregularidade na empresa que fornece o serviço, o produtor responde do mesmo jeito”, ressalta.
A lei de terceirização, de acordo com o advogado, fala que o contratante tem o dever de fiscalizar. “Se empresa terceirizada não está recolhendo o Fundo de Garantia, ou a Previdência, o contratante tem responsabilidade sobre isso. Ele pode e deve pedir mês a mês a comprovação desses recolhimentos. Inclusive, a lei permite a retenção de fatura. Se a empresa contratada deixou de recolher um valor x em algum tributo, o produtor pode pagar a diferença e efetuar o pagamento direto”, explica.
Reconhecimento do MPT
Em Goiás, o impacto do programa Algodão Brasileiro Responsável na diminuição do número de autos de infração, relativos à legislação trabalhista, renderam à Associação Goiana dos Produtores de Algodão (Agopa) o reconhecimento do Ministério Público do Trabalho. Em entrevista concedida à Agopa, o procurador do Trabalho, Marcelo Ribeiro Silva, falou sobre os benefícios que o respeito às leis oferece à cotonicultura.
Procurador do Trabalho desde 1998, Marcelo Ribeiro Silva tem experiência com programas de capacitação de trabalhadores. “O ABR é um programa de grande alcance, que visa a promover a lei e o respeito aos direitos, à segurança e à vida, e isso tem reflexos positivos para todos os envolvidos. Fiquei impressionado com a iniciativa, que pode trazer melhorias significativas à atividade. É preciso um engajamento dos produtores, para que todos sejam beneficiados: empregadores, trabalhadores, sociedade e meio ambiente. Quem me dera se todos os setores tivessem um programa semelhante”, afirmou.