Faça chuva ou faça sol, o jeans é uma das peças mais amadas e clássicas de qualquer guarda-roupa. E, nos últimos anos, a peça está passando por uma transformação silenciosa, mas poderosa: o jeans rastreável.
Com o apoio de tecnologias como o blockchain, se tornou possível acompanhar toda a jornada do jeans: do cultivo do algodão à prateleira da loja. Mais do que uma inovação tecnológica, essa prática se alinha aos princípios de ESG (sigla, em inglês, para ambiental, social e governança) e promove transparência, sustentabilidade e ética em todo o processo. Mas o que isso, realmente, significa para o consumidor e para o meio ambiente?
O que é e como funciona o jeans rastreável?
Na produção convencional de um jeans, em muitas empresas, há pouca transparência em relação à origem dos materiais e às práticas adotadas ao longo da cadeia produtiva. Essa tecnologia monitora detalhadamente todas as etapas, garantindo que tudo ocorra dentro dos critérios de ESG e apresentando dados como:
- Origem do algodão utilizado
- Processos industriais aplicados no jeans
- Onde foi confeccionado
- Como foi confeccionado
“Cada etapa da produção, desde a plantação do algodão até o produto final, é registrada em sistemas seguros como o blockchain, que garantem a transparência e a integridade dos dados”, explica Thiago Leão, Gerente de Merchandising da Levi Strauss & Co na América Latina.
O blockchain, citado por Thiago Leão, não é a única forma de coletar os dados, mas é uma das principais ferramentas: “Ela funciona como um banco de dados descentralizado que registra todas as transações e etapas do processo de produção de forma segura e transparente”.
Silmara Ferraresi, diretora de relações institucionais da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), completa dizendo que 100% do algodão presente no produto tem certificação socioambiental pelo programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR).
“Na nossa plataforma, a coleta de dados ocorre ao longo de toda a cadeia têxtil: os códigos de barra dos fardos de algodão certificado usados pela fiação, os lotes de fios usados pela tecelagem ou malharia, os lotes de tecido ou malha utilizados pela confecção e, por fim, os lotes de produção das peças finais entregues ao varejo. Tudo isso é validado, a cada etapa, pelo sistema e, quando aprovados, são gravados em blockchain”.
Todas estas informações que compõem o trajeto do jeans ficam disponíveis ao consumidor final: as pessoas podem acessá-las através da leitura de QR codes presentes nas peças dos varejistas que integram o programa de rastreabilidade.
Pioneirismo brasileiro
É isso mesmo: trata-se de uma estratégia que nasceu da parceria entre a Abrapa e o movimento Sou de Algodão. Silmara conta que a iniciativa foi desenvolvida e concretizada de forma coletiva, com a participação de todos os atores envolvidos na cadeia de suprimentos: “Um trabalho de muitas mãos”.
Benefícios socioambientais
A rastreabilidade do jeans vai além da transparência, ela é uma ferramenta poderosa para práticas ESG. O controle rigoroso da cadeia produtiva garante condições de trabalho mais justas para todos o os envolvidos no processo, permite identificar e corrigir excessos no consumo de água, reduzindo o desperdício de materiais e o impacto ambiental.
Segundo um levantamento do Instituto Fashion Revolution, são necessários cerca de 7 mil litros de água para produzir um único par de calças jeans. Pensando nisso, a Levi’s adotou a tecnologia “Water<Less” (“Menos Água”, em inglês), que reduz significativamente o uso de água nos processos de acabamento da peça:
Ela reduz os ciclos de lavagem do jeans e prioriza o uso ozônio para clarear o tecido, evitando a necessidade de água e produtos químicos. Até 2019, economizamos mais de 172 milhões de litros de água”.
— Thiago Leão
Já a Vicunha Têxtil, empresa especializada na produção de denim, destina 100% de água de reuso para outra fábrica. Com esta estratégia, o esgoto doméstico urbano é purificado para uso industrial e reaproveitado, eliminando a necessidade de captação de água de mananciais: “O esgoto, que antes era descartado, agora é reutilizado pela nossa indústria!”
Apesar de a estratégia permitir melhores e mais conscientes escolhas para o consumidor, é preciso que a proposta seja abraçada por toda a indústria têxtil: o que é tendência hoje, pode se tornar uma exigência amanhã!
Silmara cita que um dos desafios dessa ampliação são os “investimentos em novas tecnologias, softwares, equipamentos e treinamento de pessoal”, o que pode encarecer no valor da peça final, caso as marcas não optem por absorver estes custos.
“A rastreabilidade na produção de jeans apresenta desafios técnicos e financeiros, mas também pode trazer benefícios para as marcas que buscam se diferenciar no mercado e atender às expectativas dos consumidores por produtos mais transparentes e sustentáveis”, conclui.
Combate ao greenwashing
Na teoria é tudo muito bonito, mas e na prática, como fica? O greenwashing ainda é uma prática bastante comum nas empresas para divulgar dados falsos sobre supostas propostas socioambientais. Ou seja, para parecerem mais ecológicas do que realmente são, elas divulgam campanhas enganosas e utilizam descrições vagas nos rótulos de seus produtos.
Para combater esta “maquiagem verde”, existem certificações e regulamentações que garantem a autenticidade dos dados coletados, como explica Luciano Grassi Tamiso, diretor de novos negócios da AgTrace, plataforma que faz o monitoramento
“Cada parceiro envia seus dados para o sistema, juntamente com as evidências e documentos comprobatórios, como notas fiscais e romaneios, por exemplo. Esses dados são automaticamente validados, conforme as regras predefinidas para o projeto, e são verificados com os demais elos da cadeia produtiva. Após a validação, as informações ficam registradas no blockchain e seus dados se tornam imutáveis”.
Vale lembrar que, além do jeans rastreável, há outras formas de consumir moda com consciência:
- Busque informações sobre as marcas antes de adquirir os produtos
- Descarte corretamente as roupas e outros materiais têxteis
- Consuma de etiquetas que promovam práticas ambientais, como oferta de pontos de coleta de roupas
- Procure marcas que utilizam técnicas como o upcycling, que transforma um material usado em um novo item
- Compre peças de segunda mão em brechós
- Invista em aluguel de roupas e acessórios